Mas o criador não mistura eternidade com felicidade e, abruptamente, me vi arrancado da minha realidade sonhada. Com a alma entregue ao negrume e antes de soltar um proverbial "ai", já me via a bailar por entre as mãos de um sorridente jovem, com a pele da cor da avelã, chapéu malandro de palha, que entre um e outro passo sambado, me atirou para dentro de um saco de estopa, enquanto assobiava uma modinha do Ataulfo Alves.
Lamentavelmente nem a alegria tropical daquele jovial carrasco me melhorou o estado de espírito. Afinal, em poucos minutos já eu ia aos solavancos, num monstro de metal, que se assemelhava vagamente a uma carrinha, apertado entre os meus irmãos, debaixo de um sol inclemente, que parecia agora uma caricatura cruel, do astro bondoso, que apenas umas horas antes me tinha dado os bons dias.
Ó dura provação que eu apenas ainda tinha começado a saborear! Fui manietado, descascado, curtido ao sol como um pedaço de couro, esmagado, triturado, ensacado, empacotado, embalado, e por fim, encaixotado. Tortura, meus amigos!!! Digo-vos sem peias, que fui submetido a tortura vil e torpe. Para que me querem eles? Para que sirvo eu? Porque não me deixaram eles em paz no meu remanso roceiro? Que destino é este que me espera, pela glória de Zeus?
Entregue ao meu suplício, ouvia horríveis boatos...que ia acabar num boião a besuntar a pele cadavérica de uma dona de casa entediada, que seria adicionado a um pavoroso pó, com o bárbaro nome de "mousse instantânea", ou ainda - horror dos horrores - a perfumar os marcadores coloridos de uma criança ranhosa...e quereis saber? Eu não me importava! O futuro era tão negro que já não me apoquentava decifrá-lo.
Foi por isso, com resignada indiferença que fui conduzido para fora daquele lugar de pesadelo e, de novo sujeito aos humores da estrada, me deparei, no final de curta viagem, com o mais estranho dos cenários: monstrengos de ferro, que faziam uma barulheira infernal, levantavam voo para terras distantes. Tão diferentes eram dos pássaros que eu conhecia e amava, que pela primeira vez eu chorei...chorei triste, pela sorte daqueles monstrengos que estavam condenados a voar sem a beleza das mil cores das aves nem a perfeição do seu canto. E chorei por mim, que via tudo aquilo como dura recordação de um paraíso perdido, tão distante agora que mais parecia imaginado.
Depois dirigiram-me para junto de um desses monstrengos, e para minha surpresa, uma enorme abertura se recortou nas suas entranhas. Não vos conseguirei descrever, o horror que senti enquanto era depositado no interior ruidoso daquele monstro.
E subitamente confuso, assustado e devidamente acondicionado, tudo se tornou claro na minha mente. Ia viajar! Para onde não sabia. Apenas percebera que tinha terminado o tempo da cobardia. Não iria chorar mais! Franzi o cenho, e pensei: "Não sei para onde vou, mas farei da glória a minha bengala!".
O monstro levantou voo. O barulho era insuportável. Tinha partido!
Em breve vos contarei o final da minha história. Até lá, com cordiais cumprimentos me despeço, sempre vosso,
Gostei muito de te visitar :)
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